quinta-feira, 9 de junho de 2011

Fim(?)

Este será o último post que escrevo neste blog, ao menos, será o último vinculado a sua meta inicial: ser o diário institucional a ser produzido na disciplina Processos Institucionais e Estratégias Analíticas. No dia 27/05 me dei conta de que eu estava buscando analisar implicações produzindo uma "pesquisa", quando eu já tinha implicações suficientes a serem analisadas nos diversos contextos institucionais em que estou inserido. Da mesma forma, entendi que, para fazer isso, essa ferramenta, o blog, não seria a mais adequada. A ideia da análise sobre os diversos discursos sobre os acontecimentos naquela escola no bairro Realengo permanece, mas, agora, enquanto possibilidade...

sábado, 7 de maio de 2011

XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais

Estava escrevendo o próximo post sobre Realengo, mas mais um acontecimento se atravessou na escrita desse diário: o trabalho que o prof. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e eu encaminhamos para o XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais foi aceito, e devemos remeter o trabalho completo até 03/06. Considerando que estou saindo de férias em 13/05 (Hola, Buenos Aires) e volto de viagem só 25/05, estou com um prazo mais que apertado a ser cumprido e terei que deixar o diário um pouco de lado. De volta, só após 03/06... Hasta pronto...

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Um diário institucional... será?

Na última aula (que, por conta da hérnia, não pude participar), foi feita uma inversão na ordem dos textos para leitura, para antecipar a leitura daqueles relacionados ao diário institucional. Quando descobri isso (no sábado à noite), confesso que fiquei um tanto quanto frustrado, pois já tinha lido o texto inicialmente planejado para a semana seguinte. Buenas, não havia muito o que  fazer. Um dos textos combinados (o do Remi Hess) eu já havia lido para a última aula que eu havia ido. Hoje resolvi examinar o texto do Lourau. Depois de lê-lo, fiquei até feliz com a inversão.

O texto do Lourau faz parte de um livro organizado a partir de série de encontros com ele - o texto é o "Encontro n. 4". Esse foi o segundo texto que eu li que trata do(s) diário(s) e de sua produção. O do Remi Hess fala sobre as características comuns aos diversos tipos de diário e sobre alguns tipos de diário mais conhecidos. Para minha frustração, a parte dedicada ao "diário institucional" é relativamente pequena. No entanto, a escrita do diário como exercício de congruência entre a teoria e a "prática" do pesquisador, e a importância do momento da releitura do diário como momento de análise foram ideias importantes que ficaram dessa leitura.

O texto do Lourau, por outro lado, trabalha muito mais a importância da elaboração do diário em torno da questão da implicação e, por conseguinte, da desnaturalização da "neutralidade¨ do discurso científico. A escrita do diário e sua revelação tornam-se modos de ação política, pois podem ou não colocar em questão a pretensa neutralidade de produção do saber dito científico. Ao mostrar a temporalidade da produção da pesquisa, o diário permite também que o pesquisador perceba não só a produção da pesquisa, mas também a sua produção enquanto sujeito naquela pesquisa, a qual deixa de ser fruto unicamente de um discurso no qual o pesquisador é o "centro", mas aparece em toda sua historicidade através das condições de possibilidade que a tornaram daquela forma e não de outra.

Mais importante, contudo, foi o fato desse texto ter feito com que eu percebesse que eu não estou produzindo um diário da pesquisa propriamente dito, pois mesclo partes de um diário e partes da própria pesquisa. Até o momento, estava mais preocupado em relatar os  "achados"  do dia a dia, as análises que eu tinha feito a partir do material de pesquisa que eu tinha encontrado, do que relatar como tinha encontrado o material, como tinha, chegado àquelas análises - enfim, usando uma expressão do texto do Lourau, ao invés de expressar um "fora do texto" (ou seja, algo para além do texto a ser institucionalizado em alguma forma acadêmica), meu diário estava se tornando um armazenamento do próprio "texto", contudo, permeado por uma escrita descontínua.

Não sei até que ponto isso descaracteriza o que vinha fazendo até aqui como diário institucional - a Nair, a professora da disciplina, leu o blog e não comentou nada que indicasse que eu teria "fugido do tema". No entanto, a leitura do texto do Lourau fez-me ver que, se eu não estava fugindo do tema, pelo menos estava deixando de fora do diário seu principal foco - as minhas implicações nessa "pesquisa" que eu criei para produzir meu diário institucional. Novamente, fazendo uso de um termo do Lourau, talvez estivesse com minha "autocensura" ligada no máximo. A reflexão no post anterior sobre "para que pesquisamos?" e "para quem pesquisamos?" já possibilitou que eu "me soltasse mais" na escrita. Se eu aproveitar o ritmo, talvez possa produzir algo mais próximo daquilo que agora se tornou meu objetivo nesse diário.

Apenas para registrar, confesso que essa reiteração na importância  da análise da implicação do pesquisador durante a pesquisa como um aprimoramento da "congruência" me incomoda um pouco. Considero importante a análise das implicações da produção pelo próprio pesquisador como uma questão ética inclusive, principalmente diante da compreensão da produção do conhecimento como ação política. Por essa razão, não sei se pensar em termos de congruência  seja útil nesse caso, ou talvez nem mesmo indicado, pois, ao contrário, eventual "incongruência" não se daria (exceto em casos extremos) entre as ações ou discurso do próprio pesquisador, mas entre aquilo a que ele se propõe atingir com a sua produção e os efeitos que essa produção gera no mundo (os quais, como já disse, se realizam na interação com outras práticas e discursos para além do pesquisador).

Outro questão que me veio agora foi que, talvez, nem precisasse ter criado essa pesquisa sobre a questão do impacto das mortes no Realengo para produzir meu diário institucional. As próprias aulas e minha relação com os textos, as reflexões antes e depois das aulas, tudo isso já daria um bom diário institucional. Talvez até mais interessante e rico. Coisas para se pensar - nunca é tarde para mudar de rumo.

sábado, 30 de abril de 2011

"Para que pesquisamos? Para quem pesquisamos?": a produção do conhecimento como ação política


“Para que pesquisamos? Para quem pesquisamos?” Essa foi a provocação deixada na aula de 22/04 para que iniciássemos a escrita de nossos diários. Como eu já tinha iniciado a minha, a provocação “atravessou” essa escrita. Por outro lado, desde o início, considerando o "lugar" de onde eu falo, minha escrita esteve atravessada por essas questões a todo momento.
Entendo que tais perguntas somente são possíveis se entendermos que a produção do conhecimento possui um “para que”, uma finalidade, e um “para quem”, um destinatário, que ela não ocorre por ocorrer, por um movimento sem um sentido ou natural. O “para que” e o “para quem” pesquiso indicam uma forma de implicação da minha produção – uma das maneiras como estou implicado naquilo que produzo. Entendo, assim, que a produção do conhecimento (da qual faço parte ao escrever este blog inclusive) não se dá de forma neutra, avalorativa ou a-histórica – o “para que” e o “para quem”, dentre outras questões, estão a todo momento implicados no conhecimento produzido.
De igual maneira, na medida em que compreendo que práticas e discursos não se encontram em uma relação de oposição, mas antes numa situação de coengendramento – as práticas se constituem de uma tal maneira a partir dos sentidos veiculados pelos discursos, os quais por sua vez se configuram a partir das práticas a que pretendem dar sentido – entendo que a produção de conhecimento é uma forma de ação política, produzir conhecimento é produzir efeitos no mundo. Não acompanho, portanto, aqueles que defendem uma suposta separação entre teoria e prática ou entre a ação e a teorização.
Entendo ainda que essa produção de efeitos não é uma questão de opção daquele que produz o conhecimento – não está na esfera de controle desse sujeito determinar se o discurso produzido terá ou não efeitos no mundo (pois sempre terá), tampouco quais efeitos serão esses (pois os efeitos se dão na interação com outras práticas e discursos para além desse sujeito). O que se pode e se DEVE fazer é a todo momento questionar-se QUAIS os efeitos que o conhecimento que se está produzindo gera no mundo e se tais efeitos são os que efetivamente se deseja produzir (e, não o sendo, mudar).
Esclarecidas essas questões, talvez as respostas às perguntas que intitulam esse post não soem tão “piegas” ou “ingênuas” quanto poderiam parecer se as dissesse logo de início. Eu pesquiso para mudar o mundo e, roubando uma frase da minha companheira de reflexões, “se não para deixá-lo melhor, ao menos para não torná-lo pior”. Pesquiso para colocar em questão as maneiras instituídas de se compreender o mundo num determinado campo e tentar produzir formas outras de sermos nele (no mundo). Pesquiso para mudar o mundo e como em nenhum momento estou “fora do mundo”, pesquiso para mudar também a mim mesmo. Pesquiso, portanto, para todos e, logo, também para mim.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Ausência...

A minha ausência nos últimos dias não foi resistência à análise, nem desistência desse projeto - minha hérnia de disco resolveu entrar em crise de novo e "colocar em questão" a maneira como eu vinha convivendo com ela até então. Acabei de ler um texto do Lourau sobre o objeto e método da análise institucional e não pude deixar de pensar na crise da minha hérnia como um analisador do modo (instituído) como eu vinha convivendo com esse problema (:-P). Depois do susto e com a dor dando espaço para o raciocínio (ainda que sob o efeito do meu opiáceo), em breve estarei me dedicando ao próximo post, que será uma resposta a uma provocação proposta em aula no dia 22/04: Para que pesquisamos? Para quem pesquisamos?

sábado, 23 de abril de 2011

Sobre "falas", "escutas" e controles

Sigo na minha análise das reportagens. Acho que vou excluir o jornal "Pioneiro" da minha análise. Apesar de manter algumas diferenças, normalmente o Pioneiro traz as mesmas matérias da Zero Hora, diferenciando-se apenas em relação ao conteúdo regional. Dificilmente a abordagem dos temas muda de um jornal para o outro, e muitas vezes as reportagens são praticamente (quando não são de fato) idênticas. Creio que vou poupar tempo (e estômago) examinando apenas o Correio do Povo e a Zero Hora daqui por diante. Tenho que lembrar que isso aqui não é uma pesquisa para uma dissertação, nem algo parecido.

Peguei hoje os jornais do dia 09/04. Acho que notei uma certa tendência da Zero Hora em enfatizar o sofrimento das famílias das vítimas, da comunidade, e os discursos sobre como pais e professores devem abordar o assunto com seus filhos e alunos. O Correio do Povo, por sua vez, está dando mais destaque para o que autoridades estatais de diversos níveis tem a dizer e o que estão propondo fazer a respeito do ocorrido.

A capa da Zero Hora desse dia traz em letras vermelhas a frase "O QUE DIZER ÀS CRIANÇAS" e, como podem notar, não era uma pergunta. Internamente, a matéria recebe o título "Discuta a chacina com as crianças" (fl. 40) na forma imperativa que reproduzo. Não está em questão, de forma imediata, se devemos ou não falar sobre isso - a questão está em como falar. Talvez isso seja um desdobramento do tal "debate exaustivo" defendido no Editorial publicado no dia anterior e que comentei em outro post. A matéria começa contando a história de um professor que chega em sala de aula e encontra os alunos só falando a respeito da chacina, tendo dedicado a aula para falar do tema. Após colocar a pergunta "Como explicar o que foge a toda racionalidade?", segue-se a manifestação de duas psicólogas sobre como falar com as crianças a respeito dos acontecimentos e sobre como agir e não agir diante das crianças. A matéria termina com a manifestação de uma conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia: "- Se o tema vier, tem que falar. Mas se não vier e for possível evitar falar, melhor." As três são indicadas como fontes de um quadro de informações apresentado no meio da página seguinte, intitulado "Um tema que merece ser debatido" (fl. 41), que apresenta os seguintes tópicos: "Quando não falar", "Quando falar", "A importância de ouvir" (aqui, aliás, foi colocada uma das declarações que eu achei mais interessantes - Se o adulto desviar do assunto, pode acontecer de a angústia permanecer dentro da criança, virando um medo mais permanente), "A mensagem a passar", "Com que profundidade falar do assunto", "Conter o próprio nervosismo", "Quando filtrar".

Ao lado desse quadro, está uma entrevista com alguém que é apresentado, em destaque, como doutor em Psicologia, e posteriormente informado que se trata também de um professor universitário, encabeçada por uma frase em destaque dita pelo entrevistado: "A pior coisa é fingir que não aconteceu". As perguntas reproduzidas na entrevista foram:
"As crianças expostas ao noticiário do massacre podem desenvolver algum transtorno?"
"De forma geral, qual é o impacto desse episódio nas crianças?"
"As crianças brasileiras terão de passar por isso?"
"O que fazer se a criança ficar com medo de ir para a escola?"
"Como as escolas devem tratar o tema?"
Em resposta à segunda pergunta, o entrevistado termina sua resposta dizendo que "O sentimento de perda é de todo o Brasil. A sociedade está em luto. O luto passa por cinco fases: raiva, negação, negociação, culpa e aceitação da perda." Por isso a terceira pergunta foi se as crianças teriam que passar por isso, ou seja, passar por essas "fases do luto", ao que o entrevistado respondeu inclusive que, ao ser atrapalhada a "elaboração do luto", "A criança pode ficar travada no meio do caminho, na raiva, na culpa." Interessante notar que, nessa resposta, poderiam ser citadas quaisquer fases do luto abordadas anteriormente, mas o entrevistado cita a raiva e a culpa. Por que não a negação ou a negociação?

Para mim, a "preocupação" que está colocada é com um possível "trauma" que possa ser causado às crianças que estão acompanhando os fatos através dos diversos meios de comunicação. Essa preocupação, contudo, não me parece traduzida em termos de uma preocupação com um genérico "bem-estar" dessas crianças, mas sim com um possível abalo psíquico que possam sofrer por elaborarem "mal" essas notícias.  As perguntas feitas na entrevista estão atravessadas por essa preocupação, na minha opinião, desde a primeira, que já traz o questionamento sobre um possível "transtorno" que possa  ser produzido. Considerando que está se falando de um acontecimento cuja "causa" é traduzida em termos de "desequilíbrio psíquico" do agente, parece que há uma preocupação que, com esse fato (ou melhor, por conta das notícias sobre esse fato), possam se produzir mais "transtornos" e "desequilíbrios", potencializando o "perigo".
Temos, então, a ênfase na "fala". Essa "fala", parece-me, é trazida como mecanismo principal para evitar que esse "perigo" seja gerado - "falar" torna-se não uma alternativa, mas um imperativo - uma ferramenta para que ocorra uma "elaboração adequada" acerca desse evento, evitando que se traduza em termos de "raiva", "culpa", ou de a "angústia permanecer dentro da criança". Quem é chamado para defender a importância dessa fala? Os profissionais da "escuta": os psi. Diante desse contexto, no entanto, entendo que a "fala", mais do que um mecanismo terapêutico, representa a possibilidade de se descobrir o que está "no interior" do sujeito - se o perigo vem de dentro (de um "desequilíbrio psíquico") devemos fazer os sujeitos falarem sobre o que está "dentro deles" para que possamos saber que outros perigos podem estar por aí.

Na mesma página é apresentado um artigo de alguém que é qualificada como "jornalista de 35 anos, mãe de uma criança de seis anos", intitulado "Como explicar o horror?". Um trechos desse artigo chamou minha atenção:
"O horror não se explica por situação econômica, social, cultural ou geográfica. Ele pode estar dentro de nós, humanos que somos. Aquela parte sombria, adormecida, terrível e sórdida que, em algum momento, pode tomar a forma de um rapaz que assassinou nossos filhos"
Aqui transparece a ideia que comentei antes, a de que o perigo está dentro de nós, e potencialmente dentro de todos nós. O início da fala afasta alguns determinismos que orienta(r)m algumas políticas na área da segurança pública e, ao mesmo tempo, aponta esse "determinismo" que eu comentei em outro post: um "determinismo psíquico", em que no "interior do sujeito" está a raiz para os atos que ele irá cometer e a medida do perigo que ele representa. Será que as políticas a serem produzidas a partir desse determinismo produzirão a vigilância de todos, por todos?

Um dos editoriais da Zero Hora foi sobre os acontecimentos, intitulado "Trauma coletivo" (fl. 16), afirmando que esse é o momento das famílias e escolas enfrentarem o trauma coletivo vivido pelas crianças diretamente envolvidas e pelas que acompanharam de alguma forma o ocorrido por todo país. Fala ainda que "Os mesmos meios de comunicação que têm dedicado amplos espaços à chacina vêm se encarregando de alertar uma sociedade  ainda sob o efeito do choque para a necessidades de haver o máximo possível de transparência em relação ao ocorrido." Novamente, temos aqui a ênfase na necessidade de falar sobre o que aconteceu, de haver o máximo de transparência (para que nada fique oculto?). Concluindo ainda que: "Esse é um aspecto particularmente importante: evidenciar o fato de que cada indivíduo é responsável pela construção de um mundo menos violento." Esse raciocínio traz consigo também a ideia de que a violência é uma questão de indivíduos, de condutas individuais, o que invisibiliza a compreensão da violência como uma questão social e cultural, ideia que também apareceu no artigo que comentei anteriormente.

Ainda, nesta edição, a coluna de abertura da Zero Hora, escrita pela Cláudia Laitano, foi sobre o ocorrido, e um trecho dela traduz o que está sendo feito dos acontecimentos do Realengo:
"Foram muitas as abordagens da tragédia de Realengo nas últimas horas - algumas apressadas demais, outras irresponsáveis até, mas todas, de alguma forma, refletindo uma necessidade urgente de digerir em conjunto essa dor. [...] a última quinta-feira vai ser lembrada como o dia em que o Brasil chorou - não apenas as mortes das crianças do Realengo, mas a impossibilidade de proteger nossos filhos do imprevisível."

No Informe Especial (fl. 3), um quadro traz a seguinte colocação:
"Caindo de maduro. Se a doença mental do assassino do Realengo tivesse sido diagnosticada e tratada, hoje o Brasil não estaria discutindo a segurança nas escolas."

Na seção de artigos, dois dos três apresentados tratam dos acontecimentos no Realengo (fl. 17). Num deles, intitulado "Que as crianças me perdoem", o autor faz alguns questionamentos em relação ao direcionamento da discussão em torno da tragédia, principalmente das medidas a serem tomadas: "Frustrados na expectativa de obtermos uma confissão, somos levados a mudar o foco da nossa indignação. Pouco importa que nas escolas públicas do Rio não haja porteiros nem guardas, o que é necessário é um controle maior das armas, mesmo sabendo-se que temos a mais rígida legislação sobre o assunto da América Latina. Pouco importa que o atirador, sem idade para a aquisição legal de arma de fogo, as tenha obtido no mercado negro, disponível nas diversas favelas cariocas onde a polícia não se atreve a entrar. Pouco importa se não temos acesso psiquiátrico facilmente disponível no nosso sistema de saúde para a prevenção de um surto esquizofrênico dos doentes latentes."
O artigo direciona as medidas a serem tomadas para as seguintes: prevenção situacional (porteiros e guardas nas escolas), combate ao contrabando de armas (por meio do controle das favelas) e atendimento psiquiátrico (para prevenção de surto em doentes latentes). Acho que li alguma coisa sobre a tendência de enfoque na prevenção situacional no livro Cultura do Controle, do Garland... Aliás, as duas outras medidas também se caracterizam por buscarem um controle, seja das favelas, seja dos "doentes latentes".

No outro artigo, intitulado "Tragédias em espaço sagrado", os acontecimentos no Realengo são encaminhados pela autora como uma necessidade de "[...] uma grande discussão pública que busque revisar todo o sistema educativo, o que inclui a educação formal da escola e a educação familiar." É o primeiro movimento que vejo no sentido de colocar o ensino em questão por conta dos acontecimentos no Realengo. Não a estrutura das escolas, mas o ensino mesmo, com o que está implicado nele e, nesse ponto de vista, necessita de mudança.

Na coluna "Brasília" (fl. 17), uma nota intitulada "Reação" informa que na semana seguinte iniciam as reuniões do governo sobre a criação de um novo projeto para incentivar o desarmamento no país, a ser elaborado pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria dos Direitos Humanos.

Paulo Sant'Anna, em sua coluna, intitulada "Paraíso e inferno", fala sobre "os dois hemisférios do cérebro do assassino", onde um seria "completamente avariado, doente", e o outro seria "saudável, raciocinante", concluindo com a colocação de supostas antíteses: "Como pode aquela beleza natural carioca abrigar tanto sangue derramado pelo crime? Como pode uma cidade tão musical, tão romântica, tão poética, ser ao mesmo tempo a mais violenta e a mais sangrenta do país?" O questionamento em torno dessas antíteses também é a sua afirmação enquanto antíteses e a afirmação de que existem tais antíteses. Será a emergência de uma lógica antitética que, ao mesmo tempo que diminui as fronteiras entre o "bom cidadão" e o "violento psicopata", por afirmar a possibilidade de encontro dessas duas personagens em uma mesma pessoa, coloca a necessidade de vigilância de todos por todos?

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Sobre segundos olhares (2)...

Reexaminando o jornal Correio do Povo do dia 08/04, achei mais duas matérias interessantes. Uma delas saltou-me aos olhos depois de ter feito aquele post analisando o Editorial da Zero Hora desse mesmo dia. Intitulada "Bulllying pode ter motivado execuções" (fl. 32), a matéria afirma que os motivos que levaram o ex-aluno a desferir pelo menos 30 tiros são desconhecidos, mas "Bullying, fanatismo religioso e até influência de episódios ocorridos nos Estados Unidos podem ter motivado o ataque." Novamente, mas em outro jornal, é produzida a relação entre o bullying e as mortes ocorridas na escola. É interessante que em nenhum outro ponto da matéria essa relação é explorada, tampouco explicada - ela é simplesmente colocada.  O bullying está na pauta do dia e das explicações.

Outro ponto que chamou a atenção, mas nessa edição é apenas uma nota, foi a notícia intitulada "Menino armado na aula" (fl. 33), onde é apresentada a situação de que um adolescente que portava uma arma de fogo dentro da sala de aula havia sido "apreendido" pela Brigada Militar de Arroio do Sal. Novamente, é significativo por ter sido publicada na mesma edição que tratou dos eventos ocorridos no Realengo.

Sobre segundos olhares...

Depois de conversar com a Carol sobre o que já tinha encontrado nos jornais do dia 08/04, resolvi dar mais uma olhada pra ver se eu não tinha simplesmente deixado passar alguma coisa por não ter visto uma ligação "direta" com o ocorrido no Realengo. Bem, duas matérias na ZH me chamaram a atenção. Em uma delas, intitulada "REFLEXOS DO AJUSTE: Cortes de gastos ameaçam trabalho da PF na Fronteira" (fl. 10), é discutido o impacto que os cortes orçamentários anunciados pelo Governo Federal estão tendo nas operações da Polícia Federal, principalmente o quanto estão debilitando sua atuação nas fronteiras do País. Não sei, mas relacionei a Polícia Federal ao controle de armas e o prejuízo à sua atuação nas fronteiras como um potencializador do contrabando que pode, eventualmente, envolver armas. Só depois me dei conta que essa matéria vinha imediatamente após as matérias feitas sobre as mortes na escola no Realengo o que, talvez, também seja significativo.
Outra matéria que me chamou a atenção foi a intitulada "POLÊMICA NA RUA: Vigia que atirou em ladrão rompe silêncio" (fl. 42) em que é apresentada uma entrevista feita com um vigia noturno que teria impedido um assalto, tendo disparado um tiro contra o assaltante, ferindo-o, mas acabou sendo preso também por não ter autorização para porte de arma. Achei significativa a matéria porque traz a questão do controle de armas e as consequências do porte ilegal atualmente previstas no Estatuto do Desarmamento. Mais interessante ainda quando temos em vista que foi publicada na mesma edição que seguiu aos eventos no Realengo.

Acho que sobre a ZH de 08/04/2011 era isso...

Situações previsíveis, sujeitos identificáveis: produção de sentidos sobre Realengo em um Editorial de ZH

Só depois que terminei o último post é que me dei conta que eu tinha esquecido de comentar um dos textos publicados no dia 08/04 em que eu encontrei mais "material": o editorial da Zero Hora intitulado "O que fazer com essa dor?" (fl. 18).

Quando eu estava terminando esse post é que me dei conta que o próprio título do Editorial é significativo. Na primeira vez que eu li "O que fazer com essa dor?" imaginei como sendo a pergunta que as pessoas poderiam estar fazendo a si mesmas, como viver num mundo em que coisas assim acontecem, como viver num mundo depois que tais coisas acontecem. Ou seja, para mim, era algo como se a pergunta refletisse um questionamento do próprio leitor: "O que EU faço com essa dor?" Só agora me dei conta que esse título pode indicar uma pergunta que os editores da Zero Hora poderiam estar fazendo não a si mesmos, mas uns aos outros: "O que NÓS vamos fazer com essa dor?" O texto do Editorial, por sua vez, é a resposta - indica o que eles fizeram com "essa dor", ou seja, quais sentidos foram produzidos a partir d"essa dor" que não é minha, sua ou deles, mas de todos e de ninguém.

Um trecho do texto em destaque aponta a necessidade de um "debate exaustivo" e que "O desafio da sociedade brasileira, das autoridades e dos cidadãos, dos pais, e dos educadores, é transformar essa dor coletiva em prevenção." [destaques nossos]

O que será esse "debate exaustivo" que está sendo colocado? Será uma convocação para que as pessoas falem e pensem a respeito do ocorrido? Ou será o anúncio prévio de uma série de matérias que irão explorar o ocorrido e, de certa forma, justificando e legitimando a eventual superexposição e abuso cometido pelos veículos de comunicação, algo do tipo, "existem outras coisas acontecendo, mas nós (e você) temos que falar disso!"?

As figuras trazidas para esse debate são as "autoridades", os "cidadãos", os "pais", os "educadores". Talvez seja um indicativo de onde que se espera que sejam adotadas as medidas para obter a "prevenção" almejada: nas políticas públicas de segurança (autoridades), nas relações no espaço público (cidadãos), nas famílias (pais) e nas escolas (educadores). Além disso, pode estar "amarrando" esses atores em torno de uma mesma política, como se todos estivessem em busca de um mesmo objetivo (colocado genericamente como a prevenção) que dependeria da co-legitimação uns dos outros, um desafio, ou seja, algo que é difícil, mas que pode  ser alcançado.

O editorial começa afirmando que o País está chocado, e segue apontando as razões para o espanto causado pelo episódio do Realengo. Dentre os pontos destacados está que:

"[...] ele não tinha antecedentes policiais e nada - a não ser seu comportamento introvertido - indicava tratar-se de uma pessoa com transtorno mental e potencialmente perigosa. Mas era." [destaques nossos]

Aqui é feita uma relação extramente discutível entre comportamento introvertido, transtorno mental e periculosidade do sujeito. O sujeito é colocado como potencialmente perigoso, como se o fato ocorrido fizesse parte de uma cadeia de perigos que possivelmente poderiam ser causados por aquele sujeito. O fato de afirmar-se que o sujeito não tinha antecedentes criminais é significativo. Quando é feita uma referência aos antecedentes criminais, muitas vezes é colocado que, apesar de todos os seus antecedentes, o sujeito continuava "solto", como se fosse uma falha do sistema de justiça e das políticas de segurança pública não manter nenhuma espécie de controle sobre aquela pessoa que "já tinha antecedentes". O determinismo, que talvez nesses casos seja colocado como social, pois, aquele que tem antecedentes, provavelmente terá "sucedentes", desloca-se para um determinismo "psíquico". Transformando-se a frase do editorial para uma mais na ordem direta, teremos o seguinte: "Era uma pessoa com transtorno mental e potencialmente perigosa, o que era indicado por seu comportamento introvertido." É dada a causa (transtorno mental), a consequência (perigo) e o modo de identificação (comportamento introvertido).

Seguindo:

"[...] Ainda que a motivação do desvairado atirador do Realengo pareça resultar de um desequilíbrio psíquico relacionado ao fanatismo religioso [...] crimes semelhantes registrados em outros pontos do planeta remetem a causas que podem ser trabalhadas de forma preventiva. Veja-se, por exemplo, a questão da violência escolar e do bullying [...]"

Bem, aqui temos a dicotomia entre o ser e o parecer e, através disso, um outro sentido é dado ao acontecimento do Realengo. O Editorial coloca que, apesar de parecer ser uma situação que estaria vinculada apenas a questões psíquicas e religiosas, suas "raízes" estariam em outros lugares, outras "causas", que podem ser trabalhadas de forma preventiva. Nesse ponto, é feita a ligação entre as mortes no Realengo, a "violência escolar" e o bullying. Essa relação também é interessante. Acho que os acontecimentos no Realengo não se enquadram naquilo que é usualmente mostrado como episódios de "violência escolar" - mesmo em situações que envolvem mortes, o número de vítimas ou as características peculiares desse acontecimento (como a carta deixada por Wellington) não permitem que ele seja enquadrado como "mais um episódio de violência escolar", mas ele foi um episódio de violência dentro da escola. É como se o Editorial criasse uma escala entre esses três elementos, em que a ligação entre eles seria a de episódios que envolvem violência no ambiente escolar, do "menos" ao "mais" grave, : o bullying, a violência escolar, e as mortes na escola no Realengo. Se há uma escala, é possível uma "escalada" do menos grave ao mais grave, assim, de alguma forma, na lógica do Editorial, se não prevenirmos o bullying, o resultado serão muitos casos como o do Realengo.
Para mim, transparece aqui a lógica do Zero Tolerance, sendo feita uma relação entre delitos e incivilidades, como se pudéssemos chegar aos primeiros a partir de uma "escalada" dos últimos.

"[...] Escolas que pregam uma cultura de paz, com ações práticas voltadas para este objetivo, reduzem significativamente o espaço para violências e tragédias."

"Cultura de paz"... onde foi que eu já ouvi isso? Ah, sim, aqui! Será que a ZH vai começar a defender a JR agora? Se for isso, por quê? Ou será apenas uma aliança casual para reforçar o argumento de que o sujeito que comete bullying hoje é o que irá cometer assassinatos amanhã?

"[...] Inadiável, também, é o ataque ao problema das drogas, tanto no ambiente escolar quanto no familiar. A tolerância com as drogas lícitas por parte dos adultos é reconhecida por especialistas como estímulo para os jovens ingressarem na viagem quase sempre sem volta dos tóxicos."

De alguma forma, as drogas entraram num editorial que começou abordando as mortes ocorridas na escola no Realengo. Qual caminho traçamos até aqui? Das mortes no Realengo, à violência escolar, ao bullying e agora... às drogas. Nos primeiros três termos desta série, indicamos que pareciam estar unidos nessa lógica pela "violência" e pelo "ambiente escolar". Por indução, agora que é adicionado um quarto termo à série (as drogas), num discurso que não mais se restringe ao "ambiente escolar", mas aos jovens em geral, o que permanece dando "ligação" a esses termos é a "violência". Temos aqui a ligação entre as ideias de juventude, drogadicção e violência. Quais atitudes devem ser tomadas? Bem, a "tolerância" é apontada como O problema, assim, em sentido contrário, a "intolerância" deve ser A solução.

Além disso, podemos ver a confirmação daquilo que observamos no início do Editorial: os espaços de intervenção não se restringem ao governo (autoridades), nem a escola (educadores), nem só a família (pais), mas atravessam os três. Isso fica ainda mais claro na frase seguinte:

"Compete à autoridades a implementação de políticas públicas preventivas e de programas de tratamento e recuperação, mas também é dever de pais e professores a orientação adequada, a identificação de condutas antissociais a proteção e o acompanhamento de crianças e adolescentes que precisam de ajuda."

Aqui temos mais um termo adicionado à nossa série: as condutas antissociais. De alguma forma, o Editorial relaciona: 1. Mortes na escola no Realengo. 2. Violência escolar. 3. Bullying. 4. Drogas. 5. Condutas antissociais. Faz essa relação como se ela fosse evidente, sem maiores explicações, como, aliás, ela já estivesse dada.

O que deve ser feito? Deve ser dada orientação (não uma orientação qualquer, mas a orientação adequada), deve ser feita a identificação de condutas (aquelas tidas por antissociais), e deve ser feita a proteção e o acompanhamento de  crianças e adolescentes (De todos? Não, somente daqueles que precisam de ajuda).

Aqui, três ideias estão postas:

1. Existem orientações adequadas e outras que não o são;
2. Existem condutas que são antissociais e outras que não o são.
3. Existem crianças e adolescentes que precisam de proteção e acompanhamento e outras que não precisam.

Com relação a essas "crianças e adolescentes que precisam de ajuda", meu primeiro pensamento foi em relação àquelas ditas em situação de vulnerabilidade social, mas pensei agora se, mesmo em relação a estas, não está sendo dito que haveriam aquelas que "não precisam" de ajuda - não porque são entendidas como dentro da norma, mas porque não valeriam o "investimento".

A Carol me alertou para uma questão importante: duas expressões foram usadas há alguns parágrafos atrás: desequilíbrio psíquico e fanatismo religioso. Até aqui, o desequilíbrio psíquico, na verdade, não saiu da pauta. As situações abordadas (violência escolar, bullying, drogas, condutas antissociais) estão todas relacionadas ao desequilíbrio psíquico, seja como situações que aparecem como provocadoras de desequilíbrio psíquico, seja como situações que são ditas reflexos dele.

"Embora se saiba que pessoas saudáveis e bem formadas não se deixam influenciar por apelos externos, os excessos devem servir de alerta para que não degenerem em fanatismo. [...] Fundamentalismo de qualquer espécie e moralismo exacerbado também merecem total atenção [...]"

Aqui temos a ênfase na importância de termos "pessoas saudáveis e bem formadas", pois estas, segundo o Editorial, não se deixariam influenciar por apelos externos e, em última instância, causariam risco a outras. Mesmo estas, contudo, devem ser mantidas sob vigilância, pois a qualquer momento podem se "degenerar" e, assim, representarem um risco aos demais. A menção ao "fundamentalismo de qualquer espécie e moralismo exacerbado" me fez lembrar dos pentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus. Coincidência, ou não, a IURD é dona do jornal Correio do Povo, concorrente histórico do jornal Zero Hora e o bispo Edir Macedo, da IURD, é possui a concessão da TV Record, que vem fazendo concorrência ao grupo Globo e, por consequência, à RBS, proprietária do jornal Zero Hora. Sei lá, isso soou muito "teoria da conspiração", mas foi uma relação que me veio à cabeça.

"Considerando-se que a literatura médica registra a existência em qualquer sociedade de um índice elevado de psicopatas em potencial, é decisivo que os sinais sejam identificados, para que essas pessoas possam ser mantidas sob controle ou encaminhadas a tratamento adequado."

Bem, aqui temos o golpe de misericórdia. Legitimando-se no discurso do saber médico, o Editorial naturaliza a existência do que chama de "psicopatas em potencial" os quais, por sua vez, devem ser mantidos "sob controle" ou "encaminhados a tratamento adequado". Pergunto-me o que será o "sob controle"? Pois, pelo texto, não tem nenhuma relação com o tal "tratamento adequado". Além disso, tais "psicopatas em potencial" apresentam "sinais" que possibilitam a sua identificação. Qualquer semelhança aqui com a antropologia criminal do Lombroso não deve ser mera coincidência. Temos aqui a complementação da construção que se apresentou no começo do Editorial: Realengo e outras situações as quais se queira assemelhar não são apenas situações previsíveis - possuem sujeitos causadores identificáveis previamente. Nessa lógica, o verdadeiro espanto talvez não seja porque as mortes do Realengo aconteceram, mas sim por que não aconteceram antes, pois tudo estava em curso para atingir aquele resultado. É o que, para mim, pretende dizer o fechamento do Editorial:

"Mas depois das lágrimas, temos todos que agir. Há muito o que fazer a partir dessa dor imensa que a população brasileira compartilha com os familiares das vĩtimas desta insanidade inexplicável, irreparável e insuportável - mas, quem sabe, previsível."

Se os trechos acima foram retirados daquilo que representa a política editorial da Zero Hora, já podemos ter alguma ideia de como os acontecimentos no Realengo serão explorados nas próximas edições do jornal.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Discursos Punitivos

Na busca por matérias relacionadas a alterações nas políticas de segurança pública nas edições dos jornais de 08/04, não encontrei muito material, como mencionei no post anterior. No entanto, o que eu encontrei (e muito) foram manifestações sobre os acontecimentos. Como não estão relacionadas diretamente a análise, não quis incluí-los no post anterior, mas pensei que elas servem para ilustrar o pano de fundo em que as discussões serão realizadas.


Opiniões de colunistas...

Correio do Povo, Juremir Machado da Silva. A globalização do pior. "[...] Como, no entanto, deixar de pensar que a vida se tornou muito perigosa e que o perigo agora invade os lugares antes considerados sagrados ou inocentes? O medo anda junto com cada um de nós. Quem tem carro vive com medo de chegar em casa. [...] Há um novo imaginário, um novo ar do tempo, uma nova atmosfera, o imaginário do medo, a convivência permanente com o temor, a certeza de que o perigo está sempre rondando. [...] O que estamos fazendo, o que podemos fazer? Como estancar essa violência vertiginosa? Não, a solução não está no autoritarismo ou no retorno à ditadura." (fl. 2)


Chama a atenção as referências ao medo e ao perigo que (agora?!) invade lugares considerados, até então, "sagrados ou inocentes".  Chama mais atenção ainda a resposta negativa à uma suposta "alternativa" ditatorial à violência - alternativa esta que em nenhum outro momento aparece no texto do autor, aparecendo somente nessa negativa a uma resposta (do leitor, talvez?) que a teria afirmado, mas que não está no texto, colocando-a, no final das contas, como uma das respostas possíveis ao questionamento das medidas a serem adotadas.

Zero Hora, David Coimbra. Por um Brasil sem armas. "[...] Uma reação ilógica, o crime terrível já havia acontecido, mas entendi esses pais. Porque eu também, olhando para o meu filhinho, senti o coração apertado e tive vontade de guardá-lo onde ficasse a salvo do Mal. [...] Podemos tentar compreender por que isso aconteceu e o que fez com que isso acontecesse, para que possamos tomar precauções. Para tentar evitar que se repita. [...] Há seis anos, o Brasil promoveu um plebiscito sobre o desarmamento. Venceu a ingenuidade das pessoas de bem que acreditam que, armadas, vão proteger suas famílias e seu patrimônio. Não vão. As armas que o cidadão honesto compra pra se defender acabarão nas mãos de bandidos ou de malucos como o do Rio." (fl. 2)

O "Mal" em letras maíusculas, a referência às "pessoas de bem", ingênuas, ao "cidadão honesto", aos "bandidos" e a "malucos" dão o tom maniqueísta e até ingênuo (se não fosse intencional) do autor. Está posta a ideia de que, a partir do conhecimento a respeito do fato poderemos prevenir novos acontecimentos.


A construção de um perfil...

Correio do Povo, Atirador era discreto. [...] Para o psiquiatra forense Marcos Gebara, o criminoso apresentaria algum transtorno de personalidade. [...] Gebara observou que o texto parece escrito por alguém sob "surto psicótico paranóide delirante alucinatório" (fl. 30)

Zero Hora, Atirador era "estranho" e se distanciava de todos. [...] - Só ficava na internet, não tinha amigos, era muito estranho. Só falava de negócio de muçulmano. [...] Sua estrutura mental provavelmente já estava bastante danificada. Ninguém comete um crime desse porte de uma dia para o outro - avalia Ilana Casoy, uma das principais especialistas brasileiras no estudo de crimes violentos e assassinatos em série." (fl. 8)


Ao redor do mundo: de Columbine a conflitos entre índios e colonizadores

As referências aos acontecimentos na escola Columbine, nos EUA, em 1999, são uníssonas. Em todos os jornais há quadros indicando "outros casos no mundo". O Correio do Povo (fl. 31) mostra oito casos, de abril de 2010 a setembro de 2006, em diversos países. A Zero Hora aponta quatro eventos, de agosto de 1966 a abril de 2007 (fl. 8). O "campeão", no entanto, foi o jornal Pioneiro: referencia 21 eventos que vão de janeiro de 1989 a setembro de 2008 e, ainda, apresenta a seguinte nota (como sempre, sem maiores referências): "Massacres de estudantes em escolas e universidades começaram nos Estados Unidos 12 anos antes da independência do país. Em 1764, guerreiros indígenas invadiram uma escola maternal de colonos brancos e mataram 10 crianças e dois professores na Pensilvânia." (fl. 4).


Como falar da chacina em casa for dummies

A Zero Hora publicou uma matéria intitulada Como falar da chacina em casa, com conselhos de profissionais das áreas psi sobre como os pais deveriam agir em relação ao assunto com seus filhos. Só faltou o infográfico (:-P)

O Pioneiro traz a declaração de uma psícologa que diz que "[...] as crianças que têm saúde mental vão se recuperar mais rapidamente do que as que já trazem vivência de violência ou abuso."


Dr. Jekkil ou Mr. Hyde?
 
Mas, sou obrigado a admitir, a "cereja" do bolo foi a enquete realizada pela Zero Hora/Rádio Gaúcha (fl. 2), em que os leitores deveriam telefonar para votar. A "questão" era a seguinte:

"O assassino das crianças em escola no Rio de Janeiro
é um monstro? 3299-2601
ou um ser humano? 3299-2602"

Com todas essas informações "qualificadas", só podemos esperar um debate público de qualidade... (oh my...)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Controle (d)e armas

Nas edições do dia 08/04, pouco consegui encontrar sobre mudanças nas políticas de segurança pública que mantivessem relação com os acontecimentos no Realengo. Apenas no jornal Correio do Povo encontrei uma referência diretamente relacionada.

Intitulada Controle de armas: debate reaberto (p. 31) a matéria noticia que o evento "reacendeu" a discussão na Câmara dos Deputados sobre o controle de armas e munição. Há informação que o deputado Alessandro Moron (PT-RJ) entrou com requerimento para recriar a subcomissão especial de controle de armas e munições, pedido que seria votado na semana seguinte pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado (o que de fato ocorreu, no dia 13/04, tendo sido aprovada a criação da subcomissão). O governo do RJ, por sua vez, informou que a Polícia iria investigar como Wellington obteve as armas utilizadas. Chama a atenção a declaração do governador do RJ de que o atirador (Wellington) "estava muito bem armado, portava duas pistolas [na verdade, revólveres] de calibres 32 e 38" [nota nossa]. O Ministro da Justiça, por sua vez, reforçou a ideia de uma nova campanha pelo desarmamento no Brasil (o desarmamento já havia sido apontado pelo Ministro em fevereiro deste ano como uma das prioridades do Ministério).

Como o título da matéria parecia indicar, controle e armas serão as palavras da pauta...

Sobre ecos e reverberações...

"O PAÍS EM CHOQUE. (foto) Do lado de fora de escola no Realengo, na zona oeste do Rio, a perplexidade diante do ato de um ex-aluno de 23 anos, que matou pelo menos 12 adolescentes e se suicidou." -  Zero Hora, capa, 08/04/2011


"MASSACRE. Atirador mata 12 jovens em escola municipal do bairro Realengo no Rio de Janeiro e se suicida.  Fato choca o Brasil." - Correio do Povo, capa, 08/04/2011.

"UM DIA SEM COR. Em uma tragédia sem precedentes no país, Wellington Menezes de Oliveira mata 12 estudantes, fere outros 13 e se mata no subúrbio do Rio de Janeiro. Ontem foi uma quinta sem cor, sem graça. (foto)" - Pioneiro, capa, 08/04/2011.

"p. 23. Tragédia. Atirador invade escola no Rio de Janeiro e mata 11 crianças. (foto) Dez das vítimas fatais são meninas com idade entre 12 e 15 anos." - Jornal do Comércio, capa, 08/04/2011.

Essas foram as manchetes de alguns dos principais jornais do RS no dia 08/04/2011, um dia após os acontecimentos na escola do Realengo no RJ. Nesse dia, quando discutíamos na aula de Processos Institucionais sobre o conceito de analisador e o que poderíamos tomar como analisadores, questionei se, por exemplo, a invasão do Complexo do Alemão pela polícia ocorrida no ano anterior no RJ poderia ser utilizada como um analisador para discutir as transformações ocorridas na instituição segurança pública a partir daquele momento. Naquele momento, pensava nas UPPs e nas discussões que ocorriam em diversos meios de comunicação nos rastros do ocorrido.

Agora, tendo me proposto a tarefa de elaborar o presente diário, e considerando o bombardeio midiático de (des)informações, resolvi realizar processo de análise semelhante, tomando, não como analisador no sentido exato do termo, mas como ponto de partida da análise, os acontecimentos na escola do Realengo. Meu interesse principal são as implicações desse acontecimento para as políticas de segurança pública no nível federal e no estadual (RS) - seus ecos e reverberações. A ambição é tentar identificar quando e como (o instituído?) a segurança pública entra em questão. Para isso, vou acompanhar as notícias por três jornais do RS que tenho acesso direto: dois de circulação estadual - Zero Hora e Correio do Povo - e um de circulação na região da Serra (Pioneiro) e, eventualmente, buscar nas páginas institucionais dos órgãos citados nas reportagens informações sobre as propostas noticiadas.


Apesar de algumas medidas já terem sido anunciadas, a pergunta que eu não vi ninguém fazer até agora é:

Esse acontecimento tem alguma relação com as políticas de segurança pública atuais?

Aparentemente, a resposta afirmativa já estava dada antes mesmo da discussão ter começado.

domingo, 17 de abril de 2011

À guisa de introdução...

E então decidi fazer a disciplina Processos Institucionais e Estratégias Analíticas, da prof. Nair Silveira, como aluno especial no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS.
Em parte várias recomendações da Carol, em parte vontade de estudar Foucault, em parte curiosidade, em parte vontade de encurtar a distância entre Caxias e Porto Alegre (porque a distância, aprendi, é uma medida não só de espaço, mas principalmente de tempo), cá estou, numa terra em que sou reconhecido como estrangeiro e onde me sinto tão em casa...
Este blog é minha tentativa de produzir um diário institucional, ferramenta que estamos abordando na disciplina, cujo primeiro desafio, para mim, foi descobrir o que era...